Até pouco tempo atrás, era muito comum acreditar que provas de Histórias eram resolvidas apenas decorando nomes de reis ou datas de eventos importantes. Cada vez mais, porém, isso tem mudando. A atual tendência no ensino da disciplina é enfatizar a habilidade de leitura e compreensão textual dos alunos, bem como sua capacidade de relacionar o conteúdo da matéria às situações de seu cotidiano. Dos anos iniciais do Ensino Fundamental a até os mais concorridos vestibulares, os professores de História têm elaborado questões que podem ser solucionadas a partir de uma leitura atenta e cuidadosa do enunciado. Vamos tomar como exemplo a questão abaixo, retirada da 1ª fase do vestibular de 2016 da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), uma das mais tradicionais universidades brasileiras.

Quanto seja louvável a um príncipe manter a fé, aparentar virtudes e viver com integridade, não com astúcia, todos o compreendem; contudo, observa-se, pela experiência, em nossos tempos, que houve príncipes que fizeram grandes coisas, mas em pouca conta tiveram a palavra dada, e souberam, pela astúcia, transtornar a cabeça dos homens, superando, enfim, os que foram leais (…). Um príncipe prudente não pode nem deve guardar a palavra dada quando isso se lhe torne prejudicial e quando as causas que o determinaram cessem de existir.

(Nicolau Maquiavel, O Príncipe. São Paulo: Nova Cultural, 1997, p.73-85.)

A partir desse excerto da obra, publicada em 1513, é correto afirmar que:

a) O jogo das aparências e a lógica da força são algumas das principais artimanhas da política moderna explicitadas por Maquiavel

b) A prudência, para ser vista como uma virtude, não depende dos resultados, mas de estar de acordo com os princípios da fé.

c) Os princípios e não os resultados é que definem o julgamento que as pessoas fazem do governante, por isso é louvável a integridade do príncipe.

d) A questão da manutenção do poder é o principal desafio ao príncipe e, por isso, ele não precisa cumprir a palavra dada, desde que autorizado pela Igreja.

A principal dificuldade na resolução do exercício não está em saber quando foi publicado O Príncipe – dado inclusive fornecido pelo enunciado -, nem relacioná-lo ao contexto do Renascimento italiano. Também não é necessário ao estudante conhecer todo o pensamento de Maquiavel, tampouco ter lido todos seus trabalhos. A habilidade central requerida na questão é a capacidade do aluno em ler com atenção e cuidado o trecho selecionado do pensador florentino.
Apesar do uso de apostos e orações subordinadas, o excerto de Maquiavel, em especial a última sentença, é bastante claro: o bom príncipe deve ser astuto, maleável, capaz de cumprir ou faltar com sua palavra quando necessário, sempre tendo em vista a eficácia de suas ações.
O trecho “um príncipe prudente não pode nem deve guardar a palavra dada quando isso se lhe torne prejudicial e quando as causas que o determinaram cessem de existir” é o principal da questão. O príncipe desejado por Maquiavel não é aquele que cumpre com sua palavra até as últimas consequências, mas, sim, aquele que sabe abandonar suas convicções diante de momentos de adversidade. O príncipe desejado por Maquiavel é aquele que é hábil o bastante para equilibrar suas aparências, mostrar fraqueza quando tem força e força quando tem fraqueza. O príncipe desejado por Maquiavel é aquele que sabe que é melhor parecer do que ser.

A resposta correta, portanto, é a de letra A.

A dica de hoje é a seguinte: leia sempre com muita atenção e calma os enunciados das questões de História. Caso não tenha entendido na primeira vez, o que é completamente normal, leia mais vezes, até se certificar de ter entendido. Muitas vezes, a pergunta dará pistas de como resolvê-la e, em outras, poderá até mesmo dar a própria resposta.

Thiago do Amaral Biazotto

Professor de História